Eu não sou fã de neurociência como pesquisadora, quero dizer, não acho que tratar pessoas como ratos de laboratório seja cem por cento uma teoria que eu perseguiria para provar um ponto principalmente nas ciências humanas. Eu acredito que cada pessoa é única e há nuances da experiência humana igualmente únicas que vão influenciar cada um de maneiras diferentes. Entretanto, entendo a dificuldade trazida por estudar cada uma das 8 bilhões de pessoas individualmente e é por isso que precisamos encaixar pessoas em categorias dependendo da área do conhecimento.
Dito isso, acho que a neurociência traz explicações muito didáticas para as coisas, principalmente num tempo tão inexpressivo do ponto de vista de discussões profundas. A sociedade quer cada vez mais explicações que caibam em micro vÃdeos e se sentem inteligentes quando assistem a um especialista falando sobre a democracia em dois minutos, e aà eles vão se especializar em literatura russa em dois minutos, ou em polÃtica internacional em dois minutos, ou em narcisismo em dois minutos, acho que já deu pra entender meu ponto.
E por que eu estava falando disso, meu deus do céu?! Ah, sim! Estava vendo a entrevista da diva totalmente premiada Fernanda Torres em Jimmy Kimmel e um dos vÃdeos relacionados (eu eduquei muito bem meu algoritmo) era sobre como fazer "detox de dopamina". Nele, a pessoa explica com diversos exemplos e desenhos fofos como a maioria das pessoas está ficando viciada nas recompensas imediatas de atividades fáceis (usar redes sociais, fazer binge-watching, ver pornografia, jogar games, comer junk food) e evitando fazer atividades que geram menos prazer imediato (ler um livro, estudar, escrever, fazer exercÃcio fÃsico, até mesmo trabalhar). Pelo que entendi, a dopamina trabalha com a antecipação do prazer, ou seja, seu cérebro antecipa a recompensa e por isso a gente pega o telefone pra ver as redes sociais por exemplo sem mesmo pensar ativamente nessa ação. Ele compara esses efeitos ao uso de drogas como a cocaÃna que eleva artificialmente os nÃveis de dopamina e por isso as pessoas ficam viciadas.
Achei interessante entender essas causas e efeitos no cérebro, mas meu interesse mesmo era em como me livrar desse vÃcio em dopamina, pois claramente sou uma viciada. Mesmo deletando as redes sociais do telefone, notei que substituo a dopamina delas por outras coisas: joguinho de celular, ver notÃcias várias vezes ao dia, checar a quantidade de visitas aqui no blog, comer muito biscoito, ver muitos filmes e televisão e ouvir música demais. Assim, continuo lendo menos do que gostaria, estudando pouco, cuidando menos do meu jardim e da minha casa. Tudo isso também é gatilho para minha procrastinação de coisas importantes que preciso fazer.
E o que o moço do vÃdeo propõe como detox de dopamina? Bom, ele tem duas alternativas, uma mais radical, outra mais suave. A mais radical consiste em marcar um dia para não ter absolutamente nenhuma diversão, abraçar o tédio mesmo, ou seja, não usar de forma alguma: internet, telefone, computador, música, pornografia e junk food. Em vez disso: caminhar, meditar, refletir, escrever num caderno. Isso por um dia inteiro. Segundo ele, seu cérebro vai ter um reset de dopamina e você vai compreender as áreas que trazem mais prazer, aquelas que mais fizeram falta.
A proposta menos radical é escolher uma das atividades que trazem mais dopamina e deixar de fazê-la completamente por um dia inteiro. Por exemplo, não usar redes sociais. Bom, essa proposta eu já vi que não funciona para mim. Uma dica que ele dá para continuar evitando essa antecipação do prazer é transformar essas high-dopamine activities em recompensas para depois de completar uma tarefa difÃcil. Por exemplo, se eu consegui estudar por duas horas seguidas, eu tenho meia hora para ver as redes sociais. Aà cada um sabe onde o calo aperta. A ideia é sempre começar o dia pelas atividades de baixa dopamina.
Algumas coisas não eram novidades para mim nesse vÃdeo, eu só me deparo com a dificuldade do aspecto social. Minhas interações sociais na vida real têm sido cada vez mais raras e a internet me parecia um bom lugar para expandir meu ciclo de amizades e manter o contato com minhas amizades que moram longe. Talvez o desafio de me desintoxicar da dopamina seja relativamente fácil de conseguir, mas meu ponto é o aspecto realmente social. Se todo mundo está usando as redes para se conectar com as pessoas, como eu faço pra remar contra a maré e ainda conseguir me conectar com elas, digo, não perder as amizades? Não sei, mas me parece que a neurociência deixou essa lacuna (ou simplesmente não é preocupação dela). De toda forma, as redes sociais e os smartphones estão tão presentes na vida de todo mundo que é difÃcil passar um dia inteiro desconectada do whatsapp sem as pessoas (minha famÃlia) pensarem que você faleceu ou algo do tipo.
Vou terminar esse texto relatando um dia em que eu fiquei sem redes e quase sem outros estÃmulos. Neste dia, eu arrumei minha cozinha. Entrei no whatsapp só para responder mensagens essenciais, mas à noite eu sucumbi e joguei um pouco no celular. Passei o dia meio mau humorada, tirei um cochilo de mais de duas horas. Consegui fazer as coisas da minha rotina, estudei por duas horas, li um livro, fiz yoga, vi dois filmes inteiros quase sem interrupções. No dia seguinte, venci o impulso de olhar o celular assim que acordei e fui arrumar a cama. Tenho usado o aplicativo Forest (pode me seguir se quiser, acho que é só procurar por "uaba") para me manter concentrada e longe do celular. O mau humor constante se manteve ao longo do dia, parece que meu cérebro está me fazendo ficar chateada e me forçando a buscar fontes de dopamina. É um esforço estranho deixar o celular de lado. E o pior é que eu gosto das atividades que fiz neste dia, mas não me trouxeram prazer, ou melhor, o prazer pareceu ficar nas profundezas do meu cérebro e não fez efeito. Escrever sobre isso deixa tudo ainda mais estranho, mas estou achando um bom exercÃcio. Quero voltar a saber quem eu sou sem estar o tempo todo high on dopamine. Não será fácil (e eu acho que a única maneira de conseguir isso cem por cento deve ser na prisão, sei lá).
2 Comentários
muito a se pensar mesmo. comprei um kindle pra ver se lia mais e notei que tenho deixado ele de lado já, não sei se é o livro que eu tô ficando de saco cheio ou se tô mergulhado demais nos maus hábitos mesmo rs
ResponderExcluirte amo uabinha, espero que esteja bem <3
ótimo texto, uabinha... me identifico demais com isso, continuo sofrendo com o uso excessivo de celular também, mesmo tendo desativado as redes sociais.
ResponderExcluira dopamina não é o neurotransmissor do prazer, ela é usada até no funcionamento do rim, mas infelizmente esse é o mais novo neuromito. tem um episódio bem legal do podcast de divulgação cientÃfica Naruhodo sobre o assunto, deixo aqui para você entender melhor pq essa ideia de jejum de dopamina ou mesmo vÃcio em dopamina que se espalhou é uma distorção: https://open.spotify.com/episode/4L0x5GNbVkfXdVSf6eMNep?si=yB2BqFVkSjeZd309D_gZsw
abraços!
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