Two photos of a little girl smiling and wearing an adult's jacket that goes to her chins.

Uma vez conheci uma menina que não incomodava ninguém. Quando era bebê, sua mãe dizia que ela não chorava ao acordar. Ficava deitada no berço brincando com os próprios dedos - por conta disso, passou um tempo estrábica. Em geral, seu choro era baixinho, como se soubesse que alguém iria acudi-la eventualmente. Quando tinha algum pesadelo e acordava com medo de madrugada, ia para o quarto dos pais, mas não acordava ninguém, esperava pacientemente ao lado da cama até que algum dos dois percebia a sua presença e a chamava para deitar-se com eles. Brincava em silêncio, pois tudo o que acontecia na brincadeira estava dentro de sua imaginação. Ela não fazia barulho e ficava incomodada quando alguém fazia, mas não dizia nada, pois sabia que alguma hora iria passar.

Uma vez, quando ainda era bem pequena - acho que uns 5 ou 6 anos de idade - a menina foi chamada para fazer umas fotos para um jornal. Disseram que as fotos representariam o futuro para uma matéria e fariam uma roupa de astronauta com papel prateado para ela. No dia marcado, toda a roupa foi grampeada na menina. Durante a colocação dos grampos, ela sentiu uma dor, mas, como já estavam terminando, a menina não quis incomodar e apenas ficou parada como tinham lhe pedido. Já depois da sessão de fotos, quando foram tirar a roupa da menina, perceberam que uma das partes estava mais difícil de sair. Sim, haviam grampeado o papel da roupa no braço da menina sem perceber. Finalmente, ela deixou uma lágrima cair, um choro bem sofrido e todos morreram de pena. Foi muito dolorido para ela a retirada do grampo. Entretanto, aguentou firme e depois ficou deitada num sofá por algum tempo, ouvindo cada pessoa que passava e sabia do que tinha acontecido dizer suas palavras de "pena", mas ela não queria que sentissem pena.

Com o tempo, a menina continuou sem incomodar as pessoas. Não dava trabalho com notas ou comportamento na escola. Sempre comia o que lhe davam, sem reclamar. Quando queria que lhe comprassem algo, sempre dizia "esse pode?".

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Escrevi esse texto há alguns anos e deixei no rascunho. O dia das crianças me parece uma data apropriada para publicá-lo e vou deixar assim mesmo, sem final. Essa menina ainda faz parte de mim, ela está todos os dias comigo, me lembrando de que eu não sou o centro do universo, muito pelo contrário. Sou uma partícula nanocósmica sem importância alguma para o funcionamento de todas as coisas. Se voltar a ser um plasma vai ser até melhor porque aí nem vão perceber minha presença. E eu sempre vivi assim, como uma menina que não queria incomodar ninguém, guardando tudo pra mim porque eu ouvia que estava sendo inadequada, mas ninguém me explicava o motivo. Até hoje eu não sei algumas coisas. Aí eu prefiro fazer minhas coisinhas sozinha. Como esse mundo é dos que sabem ser adequados, nunca me senti à vontade aqui. Mas sigo tentando porque é o jeito. Um dia vou poder voltar pro meu planetinha.

3 Comentários

  1. Fiquei angustiada com a coisa do grampo! Enquanto lia o texto, a música Todo Mundo Quer Cuidar de Mim (Brava) me veio na cabeça.

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  2. Eu fui essa menina que não deu trabalho, que era exemplar, filha única e perfeita. E agora to correndo atrás do prejuizo tratando depressão e ansiedade
    Bj e fk c Deus
    Nana
    http://procurandoamigosvirtuais.blogpost.com

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  3. Bem legal o texto e a reflexão que você levantou.

    Boa semana!

    O JOVEM JORNALISTA está no ar cheio de posts novos e novidades! Não deixe de conferir!

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    Até mais, Emerson Garcia

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