Quebrada
Só conseguia ouvir gritos e minha cabeça já estava começando a doer. Por que as pessoas não podem falar sem gritar? Se o outro não está ouvindo, por que não ir até ele falar mais perto? Não entendo isso, nem nunca entenderei. Uma das coisas que os pais começam a reprimir nas crianças desde bebês é o grito. Então, deve ser por isso. Sem os pais para reprimir, o grito sai a qualquer hora. Sabe quando os cachorros começam a latir porque ouviram um micro barulho lá longe? Bom, talvez eu tivesse um ouvido de cachorro e as pessoas só estavam falando num tom de voz normal. Enfim, melhor seguir a vida. Não queria pensar demais em gritos, a dor de cabeça só iria aumentar.
Finalmente os gritos silenciaram e eu pude ouvir meus pensamentos com mais clareza - não que fossem pensamentos claros, no momento era tudo muito confuso. Eu não tinha muita noção das coisas que estavam acontecendo comigo. Somente dúvidas e nenhuma certeza. Em vão, tentava imaginar diálogos e cenários, mas o fato é que nada disso dependia realmente de mim. O que eu poderia fazer, então? Claro que eu gostaria de estar preparada caso um dos cenários imaginados realmente se concretizasse. As chances disso acontecer, entretanto, eram quase nulas. Me restava apenas confiar no destino e fazer o que estava ao meu alcance.
Não que eu soubesse o que estava ao meu alcance.
Mas tudo bem. Eu só queria mesmo remendar os pedaços de mim que foram se quebrando durante este ano. Parte porque eu deixei, parte porque - dizem - não soube lidar com as situações, parte por culpa dos outros mesmo. Não estava forte o suficiente para isso. E estava dando muita importância a algo que não merecia meu estresse, minha saúde, muito menos qualquer esforço.
Precisei sair de mim. Me posicionei ao longe. Tomei uma distância segura de mim mesma e consegui ver a situação de cima, flutuando escondida numa nuvem. Quis gritar lá de cima: "Vai ficar tudo bem!" Mas ainda não era hora. Observei bastante tempo. O que vi era muito triste. Meus pedaços estavam grudados por uma cola rala, alguns se partiam enquanto eu andava. E eu só olhando, apática, sem conseguir junta-los, presa em mim mesma e sem saída.
Às vezes alguém se aproximava, com um pedaço meu na mão, passava um pouco de cola e tentava coloca-lo de volta. Eu olhava e agradecia a gentileza. Isso ajudava. Outras pessoas viam o pedaço caído no chão e pisavam nele. Algumas distraidamente, pediam desculpas e continuavam suas vidas. Outras pisavam com força enquanto olhavam nos meus olhos.
Lá de cima, eu me via extremamente cansada, os ombros sempre caídos, um sono constante, doente. Continuava cuidando dos outros, mas isso só tornava meus pedaços cada vez menores, como um mosaico minúsculo. A situação piorava, apesar de haver dias em que eu demonstrava alguma reação: fazia uma faxina, escrevia alguma coisa, cuidava do meu corpo. Da minha nuvem, me perguntava até quando eu aguentaria me ver assim, tudo isso sem poder fazer nada, pois ainda não era hora.
Não era hora.
Quando o último pedacinho que precisava quebrar finalmente caiu no chão, me senti mais exausta do que nunca. Porém, voltei da minha nuvem pro meu corpo despedaçado e foi como se uma luz dourada me envolvesse. Fui tomada por um sentimento de renovação. Os pedacinhos foram, aos poucos, voltando para o seu devido lugar. A luz era uma cola forte, duradoura, que eu sabia que iria chegar, tinha esperado tanto por este dia. A paciência - algo que sabia que possuía - foi minha aliada no tempo em que precisei perder todos os meus pedaços. Ela, e a certeza de que a luz viria me ajudar a entender porque precisei ser quebrada em milhares.
Logo, meus pedaços estavam firmes novamente, meu corpo forte, minha mente descansada. Aquela luz dourada ficou em mim, emanando das minhas mãos que agora coletavam os pedaços das pessoas que cruzavam meu caminho. Não cabia a mim, no entanto, cura-las. Assim como eu passei, cada um precisaria perder tantos pedacinhos quanto fossem necessários para poderem passar a ajudar os outros.
O tempo é completamente relativo, e a quantidade de pedaços em que cada um precisaria perder ao longo do caminho depende de cada um. Não há resposta certa, muito menos devemos perder nosso tempo procurando-as. Não adianta forçar. Cada um está na caverna aguardando sua vez de ir para a luz. Há de ter paciência.
Não era hora.
Quando o último pedacinho que precisava quebrar finalmente caiu no chão, me senti mais exausta do que nunca. Porém, voltei da minha nuvem pro meu corpo despedaçado e foi como se uma luz dourada me envolvesse. Fui tomada por um sentimento de renovação. Os pedacinhos foram, aos poucos, voltando para o seu devido lugar. A luz era uma cola forte, duradoura, que eu sabia que iria chegar, tinha esperado tanto por este dia. A paciência - algo que sabia que possuía - foi minha aliada no tempo em que precisei perder todos os meus pedaços. Ela, e a certeza de que a luz viria me ajudar a entender porque precisei ser quebrada em milhares.
Logo, meus pedaços estavam firmes novamente, meu corpo forte, minha mente descansada. Aquela luz dourada ficou em mim, emanando das minhas mãos que agora coletavam os pedaços das pessoas que cruzavam meu caminho. Não cabia a mim, no entanto, cura-las. Assim como eu passei, cada um precisaria perder tantos pedacinhos quanto fossem necessários para poderem passar a ajudar os outros.
O tempo é completamente relativo, e a quantidade de pedaços em que cada um precisaria perder ao longo do caminho depende de cada um. Não há resposta certa, muito menos devemos perder nosso tempo procurando-as. Não adianta forçar. Cada um está na caverna aguardando sua vez de ir para a luz. Há de ter paciência.
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